sábado, 16 de outubro de 2010

O Cérebro e a Consciência


Acredito que o maior desafio da espécie humana é conseguir, em um determinado momento da evolução científica, a explicação perfeita da consciência nos moldes racionais e dentro da metodologia científica clássica.
A neurociência tem aumentado a cada dia os conhecimentos em detalhes do funcionamento cerebral. Na pesquisa contemporânea, destacaram-se cientistas geniais e metódicos. Talvez, àquele que mais contribuiu para o entendimento do funcionamento cerebral foi Santiago Ramón y Cajal (1852 a 1934). Ele foi capaz de entender e demonstrar que a unidade básica funcional do cérebro é o neurônio, além de descrever o funcionamento do mesmo, inclusive inferindo o trajeto dos impulsos nervosos de um neurônio a outro em uma só direção, algo que não podia ser demonstrado experimentalmente na época, pois ainda não havia métodos tecnológicos de experimentação tão avançados.
Além de Cajal, tenho que destacar pesquisadores como Charles Sherrington (1857 a 1952), Edgar Adrian (1899 a 1977), Alan Hodgkin (1914 a 1998), Andrew Huxley (1917), Bernard Katz (1911 a 2002) e mais recentemente, Eric Kandel (1929).
Graças às pesquisas destes cientistas , dentre outros, sabemos os mecanismos biológicos do pensamento. A transmissão dos impulsos nervosos, através de um circuíto de neurônios, permeada pela transmissão química (neurotransmissores) entre um neurônio e outro (fenda sináptica), é traduzida a um pensamento, podendo este ser uma emoção, um sentimento, uma análise de um estímulo externo, etc.
Bem, e em relação à consciência, qual a sua definição? Qual a sua relação com o pensamento?
Para começar, a definição de consciência é bastante ampla e discutível. Avaliando como neurocientista, acho que uma boa definição para consciência é a seguinte: a capacidade de me reconhecer como ser individual e de reconhecer o ambiente que me rodeia. É o reconhecimento do "eu próprio" neste exato momento, conhecendo precisamente os limites de minha individualidade.
Quero aqui, exaltar a idéia de que a consciência se manifesta através de pensamentos: "aqui estou eu e este é o ambiente que me cerca". Portanto, quando me refiro à consciência, me refiro ao pensamento de estar consciente. Ao analisar a consciência, acabo por analisar o funcionamento fisiológico do cérebro, que através do tráfego dos impulsos elétricos pelos circuítos cerebrais do neocórtex, determinam um pensamento.
Existem na atualidade, métodos científicos de imagens, como a ressonância magnética funcional e a tomografia por emissão de pósitrons, que são capazes de mapear os caminhos dos impulsos elétricos neuronais durante um determinado pensamento de forma bastante precisa. A ativação desta via neuronal específica para este pensamento em particular é completamente reprodutível na mesma pessoa e também em outras, mostrando um padrão inequívoco de ativação de circuítos neuronais para cada pensamento. Quanto mais complexo o pensamento, mais neurônios estarão envolvidos na circuitaria neuronal naquele instante.
Portanto, seguindo os paradigmas da neurociência atual, teríamos que associar a consciência exclusivamente com a atividade cerebral. Sendo assim, podemos concluir que quando um ser humano é submetido a uma agressão extrema, a ponto de suas células cerebrais não mais receberem o aporte adequado de substâncias vitais, como oxigênio e glicose, havendo a perda da capacidade seletiva da membrana das células cerebrais, com influxo de substâncias tóxicas e consequente perda irreversível de função do neurônio (morte), a consciência individual não mais existirá, pois o único responsãvel pela mesma não mais funcionará (o cérebro). Caracteriza-se assim a morte, sem a menor chance da consciência ter algum tipo de continuidade. Seria o fim completo, total e irreversível do ser humano como ser individual.
A visão da ciência é chamada por muitos de reducionista (visão que acopla a consciência exclusivamente à atividade cerebral). O reducionismo faz oposição ao chamado dualismo, que separa cérebro e mente em entidades distintas. O dualismo é desprovido de qualquer comprovação das ciências e encontra-se distante anos luz das metodologias rígidas de comprovação científica, pertencendo à esfera religiosa.
Esta visão materialista e reducionista que determina os caminhos científicos a serem percorridos, muito mudará num futuro não muito distante. Afinal, existe um "gap" a ser preenchido entre atividade cerebral e a consciência experimentada em sua plenitude. Os cientistas sabem disto e também sabem que a ciência não para de avançar. Este ponto no caminho científico em que nos encontramos está distante de uma explicação totalmente satisfatória para a consciência, porém acredito que a ciência é o grande meio para explicar os fenômenos com racionalidade, nos cercando daquilo que é palpável e não nos deixando ao relento do completo subjetivo.
Sempre é bom lembrar que a física/mecânica quântica é um ramo da ciência que muito tem evoluído e aos poucos tem feito parte das discussões neurocientíficas. A consciência tende a ser menos discutida do ponto de vista macroscópico e seguir cada vez menos as regras da física clássica quadridimensional.
Possivelmente, àquele "gap" ao qual me referi, seja preenchido pela mecânica quântica. A abordagem da formação da consciência deverá seguir o caminho do distanciamento do macroscópico e aprofundar-se no mundo quântico, observando movimentos iônicos através das membranas neuronais, talvez almejando o conhecimento de múltiplas dimensões como na ciência quântica.
Aprofundando-se neste campo diferente de estudo, passando-se talvez algumas décadas, os paradigmas da ciência serão diferentes, como sempre acontece graças aos métodos de comprovação e refutação de teorias através de experimentos, e assim poderemos ter explicações mais precisas dos mecanismos geradores da consciência individual.

Dr. Milton C. R. Medeiros.